Somos colchas de retalhos
Devaneios sobre ser uma pessoa autêntica e uma mulher que cria.
Às vezes eu me pergunto se eu sou só uma colcha de retalhos feita com todos os pedaços de outras pessoas em que eu me inspiro. E isso me torna menos eu? Ou o que me torna eu é o que me faz escolher minhas inspirações?
Eu me pergunto isso constantemente, como se estivesse em uma busca por provar que sou autêntica. Acho que eu tenho um medo profundo de me perder. Passei tanto tempo da minha infância e adolescência reprimindo minha personalidade e meus interesses que, agora que aprendi a ser eu, sinto uma necessidade latente de sempre checar se estou sendo verdadeira. E na era das redes sociais é tão fácil perder noção disso. Ainda mais quando um artista precisa se expor pra conseguir ter sua arte descoberta.
A minha vida inteira eu escolhi os livros que queria ler pela capa ou pela sinopse ou até pela primeira frase. Só ia descobrir quem tinha escrito quando chegava no final e, mesmo assim, tudo que eu sabia eram quatro linhas de informação. Hoje não funciona mais assim. Hoje eu preciso construir uma presença digital e acumular possíveis leitores pra ter a chance de ter algo publicado. E nisso eu me vi pensando na minha imagem como uma marca, analisando quais roupas eu deveria usar e como deveria arrumar o cabelo pra ser vista de certa maneira. É muito cansativo. É o oposto de autêntico.
E eu sei que não é só com a escrita que isso acontece, mas com praticamente todas as profissões. Você entra nas redes sociais e parece que tá todo mundo tentando te vender alguma coisa. Tudo com uma estratégia muito bem pensada e planejada e executada. Eu entro nas redes sociais e sou bombardeada por essas personas. Não pessoas. Personas. Personagens criadas pra vender alguma coisa. Um curso online, um ebook, uma masterclass, uma música, um serviço, um livro. Uma newsletter? Sim, mas ela é de graça. Não me entenda mal, eu sou a maior fã dos cursos online e dos recursos digitais. Juro. Mas é que essa constante pressão pra ser um produto vendível simplesmente pra sobreviver na sua carreira (qualquer que ela seja) é terrível. E eu acho que estamos perdendo um pouco a noção de como apenas ser e compartilhar sem nenhum propósito financeiro por trás.
Chegou em um ponto que eu estava me sentindo observada mesmo sozinha no meu quarto. Como se eu mesma estivesse me vendo pela lente dos outros em todo momento. E, sendo mulher, isso se aumenta muito mais. Historicamente, uma das únicas coisas que eram demandadas de nós socialmente era sermos bonitas de olhar. Não precisa ter nada de interessante a dizer, nem um único pensamento por trás desses lindos olhos. Só fique sentada bonita e calada. Tem um trecho de um livro da Margaret Atwood, A Noiva Ladra, que relata perfeitamente isso:
“Até fingir que você não está satisfazendo fantasias masculinas é uma fantasia masculina: fingir que é invisível, fingir que tem vida própria, que pode lavar os pés ou pentear os cabelos inconsciente do observador sempre presente do outro lado da fechadura, espreitando pelo buraco da fechadura na sua própria mente, se em nenhum outro lugar. Você é uma mulher com um homem dentro observando uma mulher.”
Constantemente analisando nossa aparência, nossa habilidade de causar desejo, nossa habilidade de vender essa imagem. São tudo a mesma coisa.
Essa foi a grande inspiração para o conto que eu vou compartilhar com vocês na semana que vem. Foi a ideia da Musa e da mulher que serve apenas pra ser linda o suficiente para causar inspiração. A mulher que inspira e não cria. Que é apenas uma ferramenta para alimentar o sucesso do homem. Como disse Daisy Jones:
‘‘Eu não tinha nenhum interesse em ser a musa de alguém. Eu não sou uma musa. Eu sou o alguém.”